Conversamos com as sócias-diretoras da Situated, Marcelle La Guardia e Samira Nagem, sobre um tema cada vez mais crítico no ambiente corporativo: a pressa em concluir análises de acidentes.
Segundo elas, quando aceleramos esse processo, corremos o risco de agir com base em vieses, estigmas e soluções superficiais. Ambas lidam diariamente com a segurança industrial e defendem que é justamente no tempo da escuta — e não na velocidade da resposta — que está a verdadeira potência transformadora das análises.
A SITUATED é a primeira e única consultoria especializada em Gestão da Expertise para grandes empresas, que desde 2013, por meio de consultorias e treinamentos customizados, ajuda empresas a superarem seus principais desafios de pessoas, operações e segurança. Localizada em Belo Horizonte, a Situated possui uma ferramenta de Mapeamento de Expertise que permite a visualização de gaps de expertise, riscos de turnover crítico e necessidades de desenvolvimento nas equipes para uma gestão de pessoas e processos mais estratégica.
A construção e a manutenção do conhecimento tácito dentro das operações têm sido um foco central do trabalho da Situated, ou seja, o conhecimento que emerge da experiência concreta — da prática diária dos trabalhadores. Ao longo do tempo, a Situated desenvolveu soluções para reconhecer e gerir essa expertise, especialmente no campo da segurança, com uma abordagem que considera a prática como elemento essencial para que a segurança de fato aconteça.
“Toda empresa em que entramos para realizar essa atuação em segurança — a que chamamos de análise situada e ampliada de acidentes e incidentes — enfrenta um desafio central: interromper a lógica de culpabilização.”
Marcelle La Guardia
Esta prática propõe uma ruptura com a lógica da culpabilização. A escolha pela palavra “análise” ao invés de “investigação” não é casual: investigação ainda carrega um viés jurídico, uma busca por culpados. Já a análise situada começa onde as investigações tradicionais costumam encerrar. Quando se afirma que “o operador errou”, ali se inicia o verdadeiro trabalho. A pergunta central passa a ser: o que levou esse operador a agir daquela forma?
Inúmeras vezes a justificativa de “falta de atenção” do colaborador gerou pacotes de ações padronizadas: treinamentos, campanhas de conscientização, dispositivos de alerta. “Mas atenção não se comanda, atenção se direciona. E, se ele não estava atento ao que se esperava dele, no que estava atento então?”, questionam. É a partir dessa escuta ativa, sem julgamento imediato, que as causas reais começam a emergir.
A desconexão entre as áreas de segurança e operação é outra barreira recorrente. “O que vemos são áreas corporativas de segurança tomando decisões distantes da realidade operacional, utilizando ferramentas que não conversam com o cotidiano.” Isso se reflete em práticas que, muitas vezes, priorizam o cumprimento de processos burocráticos e metas formais — como o prazo para concluir uma análise — em detrimento de uma análise de boa qualidade. Quando o indicador de desempenho passa a medir o tempo da análise, e não sua qualidade, há uma inversão de prioridades.
🔖 [Exemplo real]
Em uma empresa com diversos galpões e operações com pontes rolantes, um incidente foi registrado por câmeras: um operador deixou cair um material. O vídeo circulou e a narrativa foi imediata: “ele errou”, “estava distraído”. A punição se seguiu. No entanto, uma análise mais cuidadosa revelou que o operador não era o titular do galpão; havia sido deslocado para cobrir outro funcionário, operava em um contexto de alta demanda produtiva e com pouco conhecimento das dinâmicas locais. Tinha experiência, mas não naquele contexto. A atenção dele, no momento do incidente, estava voltada a outro operador que aguardava o redirecionamento do material. Era uma tentativa de manter a fluidez da operação e conseguir antecipar a sua próxima ação, não um descuido. A partir dessa análise, a empresa implementou mudanças reais: limitou o rodízio apenas entre operadores de áreas semelhantes e abandonou campanhas genéricas.
“Não se trata de culpar o operador, mas de entender o que ele enfrentou.”
Samira Nagem
Muitas empresas só se abrem a esse tipo de abordagem em momentos de crise — quando os indicadores estagnam ou ocorrem acidentes graves. Nessas horas, emerge a pergunta: “o que estamos fazendo não está funcionando?” E a resposta, muitas vezes, passa por uma constatação simples: a distância leva à simplificação. Trata-se da distância entre quem analisa e quem executa o trabalho, é uma ausência de participação de quem vive a prática. Isso pode se dar pela sobrecarga das áreas de segurança com burocracias ou, mesmo quando há proximidade física, as lógicas de segurança e operação raramente se alinham.
A rede de responsabilizações que se forma após um evento — sobre o operador, o gestor, a área de segurança, e até sobre a instituição — revela a força do viés jurídico e da necessidade de dar respostas rápidas. No entanto, quando a investigação vira resposta e não análise real, os aprendizados se perdem.
Outro ponto crítico é a replicação de boas práticas de forma descontextualizada. Soluções que funcionam bem em um setor podem gerar problemas graves em outros. A leitura ampliada, que compreende a variabilidade das situações e evita padronizações cegas, é fundamental. É por isso que a ideia de “causa raiz” também é colocada em xeque. Eventos complexos raramente possuem uma única causa — são, quase sempre, o resultado de uma rede de fatores interligados, de múltiplos fatores.
“O maior risco é ficar preso na ‘causa raiz’ e não enxergar o todo.”
Marcelle La Guardia
🔖 [Exemplo real]
O acidente da TAM em Congonhas é um exemplo: múltiplos elementos estavam em jogo — falhas humanas, infraestrutura, contexto aéreo, procedimentos — e não apenas uma decisão isolada do piloto. O documentário da Netflix Congonhas: Tragédia Anunciada mostra que a tragédia do voo TAM 3054, em julho de 2007, não pode ser atribuída a um erro individual. Ela foi resultado de uma soma de fatores técnicos, organizacionais e humanos, com decisões estruturais que se arrastavam há anos: a pista de Congonhas recém-reformada ainda não possuía ranhuras de frenagem (grooving); o reverso de uma das turbinas da aeronave estava inoperante; o recall de aeronaves para acionamento de um alarme em caso de não posicionamento correto da manete não foi realizado; o aeroporto operava no limite, sem margem para manobras seguras em situações adversas — e tudo isso agravado por uma intensa chuva na noite do acidente.
Além disso, o documentário destaca como o contexto político e a pressão econômica sobre o setor aéreo contribuíram para um ambiente de risco silencioso. Decisões técnicas não foram priorizadas, dando lugar a interesses institucionais e comerciais, que acreditavam ser o mais urgente naquele momento, o que contribuiu para a manutenção de um sistema precário e vulnerável.
Esse caso emblemático escancara o perigo de análises simplistas. Ele reforça a importância de compreender o acidente como fenômeno sistêmico — e não como produto de um único erro humano. Como reforça o documentário: “O erro não é um desvio — é uma oportunidade de compreender o sistema.”
Identificar sinais fracos é parte central da metodologia da Situated. São informações, eventos, variações operacionais ou micro ajustes que podem indicar um potencial risco de incidente ou acidente, mas que ocorrem no dia a dia sem resultarem em falhas explícitas até então. Esses sinais devem ser escutados e valorizados antes que virem ocorrências graves, pois o que ocorre, normalmente, é que a sua relevância só é dada a posteriori. Daí o investimento em canais de escuta e no programa de Retorno da Experiência, que amplia a voz da linha de frente e transforma esse saber silencioso em ação preventiva.
Ferramentas de apoio são bem-vindas — mas apenas se estiverem a serviço da análise crítica, e não como substitutos da escuta. A tecnologia, quando desconectada da prática, pode cegar a organização. Isso vale, inclusive, para a entrada da Indústria 4.0. Durante o evento Mining Innovation Summit de 2024, foi feita uma inversão provocativa: ao invés de perguntar como as áreas devem se adaptar à tecnologia, por que não pensar em como a tecnologia pode se adaptar às áreas?
O SICLOPE surge como uma ferramenta concebida por profissionais que viveram de perto os desafios da segurança nas organizações — e que, por isso, compreendem profundamente as lacunas entre a teoria e a prática. Diferente de soluções genéricas ou meramente burocráticas, o SICLOPE foi pensado para ser adaptável, flexível e, acima de tudo, sensível à realidade de cada empresa. Ele não impõe modelos prontos: oferece uma arquitetura que permite configurar fluxos, análises e canais de escuta conforme as necessidades específicas de cada operação. Trata-se de uma tecnologia que dialoga com a complexidade do trabalho real, respeita a diversidade das práticas e potencializa a escuta como eixo central da gestão da segurança. É, portanto, uma ferramenta que não substitui o olhar crítico — ela o amplifica, organizando dados, devolvendo visibilidade às experiências do campo e fortalecendo a construção coletiva da Cultura de Segurança.
“Para o digital funcionar, ele precisa ser mais humano.”
Samira Nagem
🔖 [Exemplo real]
Em sistemas de telemetria em ônibus urbanos, por exemplo, a rotação do motor é controlada. O motorista não pode ultrapassar certo limite de RPM. Mas em um trecho de rodovia com subida, um motorista relata: “Se eu não ultrapasso o caminhão, coloco os passageiros em risco. Prefiro acelerar por segurança.” Resultado? Penalização automática. A lógica do sistema não reconhece a inteligência da prática. “A tecnologia está punindo uma decisão segura”, relatam.
Para além das ferramentas, um ponto sensível está nas políticas de divulgação dos aprendizados. Mesmo quando uma boa análise é feita, muitas vezes ela não é compartilhada com outras áreas. O conhecimento se perde ou permanece restrito, e com isso a capacidade de aprendizado coletivo se fragiliza. A Cultura de Segurança se constrói com base no compartilhamento e na confiança.
O Silêncio Organizacional é outro obstáculo invisível, mas determinante. Trabalhadores deixam de relatar ou comentar situações por medo de punição, por descrença na escuta ou por não reconhecerem que aquilo que sabem tem valor. Esse fenômeno é alimentado por:
“Cultura de Segurança se constrói com escuta, não com cartazes.”
Marcelle La Guardia
Em uma análise, um operador sintetizou bem esse abismo: “Entendo o processo do começo ao fim, mas quando o engenheiro fala, não entendo o que ele quer dizer, ele fala alguns termos difíceis, mas eu entendo o comportamento deste material no forno”. O problema, muitas vezes, não é falta de interesse, mas ausência de repertório compartilhado. Veio a sugestão de um treinamento técnico que possibilite essa comunicação, fazendo com que os dois falem a mesma linguagem para se referir ao material e ao equipamento em questão.
A cultura organizacional, por fim, não está nos manuais, mas nas práticas, crenças e lógicas do dia a dia. “O acidente é uma das melhores oportunidades para conhecer o que realmente acontece no campo”, reforçam Marcelle e Samira. Mas para isso, é preciso desacelerar. Escutar. E reconhecer que transformar a segurança é, antes de tudo, um exercício profundo de escuta e de confiança.
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