Era uma manhã como qualquer outra quando Marcos chegou ao trabalho. Ele verificava sua lista de tarefas quando seu supervisor pediu que ele operasse uma máquina com a qual não estava familiarizado. Nervoso, mas sem querer parecer incapaz, ele aceitou. Durante a operação, um pequeno desvio, uma distração, e sua mão foi tragada pela máquina.
Marcos tentou gritar, mas o choque o paralisou. A dor foi instantânea e insuportável. Nas semanas seguintes, enquanto os curativos cobriam sua mão mutilada, ele viu sua autoestima desaparecer. A insegurança financeira logo se abateu sobre sua casa. Sua esposa, que cuidava dos filhos, agora precisaria trabalhar, mas as contas não paravam de chegar. O medo do futuro crescia a cada notificação no celular: o aluguel, a escola das crianças. Ele observava o olhar triste dos filhos, percebendo que eles, ainda tão jovens, já sentiam o peso da incerteza.
A fábrica parou por horas enquanto a equipe corria para prestar socorro. Os ruídos das máquinas silenciaram e o ambiente de trabalho tornou-se pesado. O clima organizacional mudou. Os colegas de Marcos sussurravam com olhares de preocupação e medo. “E se fosse eu?“, um deles pensou enquanto voltava ao posto, agora muito mais atento. A empresa enfrentou semanas de investigações, custos legais se acumularam e os contratos com clientes começaram a sofrer atrasos. A reputação da empresa, que sempre pregava “cuidar bem das pessoas”, foi questionada. Despesas inesperadas surgiram, desde a compra de novos equipamentos até o treinamento emergencial da equipe.
Marcos passou meses em fisioterapia, cada sessão paga pelo INSS. O sistema público de saúde, já sobrecarregado, sentiu o impacto de mais um trabalhador afastado. Os impostos que a empresa pagava aumentaram, forçando a reestruturação de equipes e cortes de benefícios. O ciclo era cruel: menos funcionários, mais horas de trabalho para os que ficavam, maior risco de novos acidentes. O PIB do país sofria pequenos impactos com cada trabalhador afastado, uma perda que, somada aos milhões de outros casos, tornava-se significativa para a economia do país.
A dor de Marcos não era só física, era um reflexo de um sistema em colapso. Pessoas, empresas e Estado, todos conectados por uma teia invisível que, ao menor desvio, se rompia, causando danos em todas as direções.
Uma nova história, idêntica ou muito similar à de Marcos, acontece a cada 3 minutos no Brasil. Ela demonstra como estamos todos conectados. Não há ato, muito menos consequências isoladas. A cada 3 horas e 47 minutos, um trabalhador perde a vida. Que horas são agora, no momento em que você está lendo esse texto? Faça as contas.
Essa estatística não é apenas um número frio: é uma cadeira vazia no jantar, um filho que não verá o pai voltar, uma mãe que terá que sustentar a casa sozinha. O impacto é avassalador, tanto para a família, quanto para a empresa e para o país. São mais de 6,9 milhões de notificações de acidentes de trabalho desde 2012, com um custo estimado de 140 bilhões de reais em despesas previdenciárias. E esses são apenas os dados oficiais; quantas histórias não são sequer registradas? A dor dessas perdas reverbera em todas as direções: os filhos de hoje, que perderam o sustento, terão que lidar com a incerteza do futuro. Será que estamos realmente fazendo alguma coisa para mudar essa realidade? Aliás, será que, enquanto sociedade, sequer enxergamos o tamanho desse problema?
Entre 2012 e 2022, os acidentes de trabalho geraram a perda de mais de 471 milhões de dias de trabalho no Brasil. Para entender melhor, imagine: cada vez que alguém se machuca no trabalho, a produção daquela pessoa é interrompida. Agora, pense em 118 mil pessoas paradas durante um ano inteiro — isso é o que esses dias perdidos representam! É como se toda a população de uma cidade média deixasse de trabalhar por 12 meses, afetando não só as empresas, mas a economia do país e a qualidade de vida dessas famílias.
Segundo o professor Béda Barkokebas Júnior (in memorian), especialista em Engenharia de Segurança do Trabalho, a grande maioria dos acidentes de trabalho é evitável. Ele argumenta que, segundo a OMS, 96% desses incidentes podem ser prevenidos com ações corretas e proativas, baseadas em uma engenharia que não apenas reage a problemas, mas antecipa riscos. O papel da Engenharia de Segurança é transformar ambientes de trabalho em espaços mais seguros por meio de tecnologias e monitoramento contínuo.
O professor destaca que, por exemplo, o capacete protege contra a queda de objetos, mas é o planejamento da engenharia que evita que esses objetos caiam. Ou seja, a prevenção começa muito antes da proteção. Essa abordagem científica permite que empresas identifiquem pontos de risco e tomem medidas antes que os acidentes ocorram. Ele reforça a importância da análise e controle de riscos para garantir que trabalhadores estejam não apenas protegidos, mas seguros desde o início de suas atividades.
A lógica da prevenção, conforme defendida por especialistas como Frank Bird, baseia-se na ideia de que grandes acidentes são precedidos por uma série de eventos menores e menos graves. Cada acidente fatal, na verdade, é o resultado final de uma pirâmide de ocorrências, como desvios e quase acidentes, que não foram adequadamente tratados. Essa abordagem sugere que, ao monitorar e resolver esses pequenos incidentes, podemos evitar tragédias maiores.
A premissa é simples: se controlarmos as bases da pirâmide, reduziremos drasticamente os eventos mais críticos. Ao entender que cada desvio é um alerta, a engenharia de segurança trabalha para fortalecer o monitoramento contínuo e garantir que esses sinais sejam tratados antes de se tornarem problemas maiores.
Não existe um culpado, existe um sistema em colapso que prejudica e responsabiliza cada um de nós e todos juntos. A proposta para reverter esse cenário envolve uma combinação de mobilização social, políticas públicas de incentivo e transformação digital nas empresas.
A mobilização social visa engajar a sociedade, mostrando que a segurança no trabalho não é um “setor de gente chata que só cobra na empresa”, mas sim uma demanda, uma questão que afeta todos nós. Desde pequenos, somos ensinados que o “risco” é parte do caminho para o sucesso. “Quem não arrisca, não petisca” é o ditado que seguimos. Isso cria uma falsa segurança, nos levando a crer que o risco é algo natural e até necessário para provar nosso valor. Arriscamos sem medir adequadamente as consequências, muitas vezes nos sentindo pressionados a demonstrar coragem e competência em um cenário onde o risco deveria ser minimizado e não incentivado. Uma maior consciência dos riscos, reduz os impactos nas pessoas.
As políticas públicas desempenham um papel essencial ao fomentar boas práticas, oferecendo incentivos fiscais, tributários e programas de financiamento exclusivos para projetos de segurança do trabalho. Ao implementar fiscalizações mais rigorosas e linhas de crédito acessíveis, o governo facilita o caminho para que empresas adotem práticas mais seguras e promovam a segurança e a saúde dos trabalhadores. A demanda deve surgir do povo, mas o Estado tem o dever e a responsabilidade de ser o primeiro a pensar na aplicabilidade das medidas. Até porque, tais incentivos não apenas ajudam na prevenção de acidentes, mas criam um retorno positivo em termos de produtividade e segurança. Políticas e financiamentos adequados reduzem os impactos no Estado e nas organizações.
A transformação digital, que é composta da combinação de engenharia, tecnologia e promoção de cultura, completa essa tríade ao integrar esses recursos com as práticas de segurança, promovendo mudança real de comportamento. A captura e a análise de dados em tempo real permitem que os riscos sejam monitorados e eliminados de forma mais eficiente. O uso de soluções tecnológicas não só acelera o processo de prevenção, mas viabiliza a tomada de decisões com base em dados concretos. Dessa forma, a proposta garante resultados reais e sustentáveis para todos os envolvidos, gerando um impacto positivo na sociedade, nas empresas e na economia.
Sim, funciona e podemos provar. Um estudo interno realizado em diversos setores industriais mostrou que a aplicação de práticas preventivas gerou uma redução média de 40,7% ao ano em acidentes com perda de tempo. Isso significa que, ao adotar medidas proativas de segurança, como monitoramento de riscos e controle de desvios, as empresas não apenas diminuem os afastamentos e custos associados, mas aumentam a eficiência produtiva. Os números falam por si: quanto maior o investimento em prevenção, menor o impacto financeiro e humano, reduzindo consideravelmente o impacto em cascata que apresentamos.
É o tal ganha-ganha-ganha. Ganham as empresas, ganha o Estado e, principalmente, ganham as pessoas.
Agora que você conhece as estatísticas, os impactos e as soluções possíveis, a pergunta é: o que você vai fazer a respeito? A mudança começa com cada um de nós. A próxima etapa é fazer com que toda a sociedade tome consciência do problema, pois só assim conseguiremos entender e enxergar isso como uma pauta urgente e de todos. Você conhece algum influenciador? Comente com ele sobre este texto, sobre essa causa. Melhor ainda, envie para ele e ou ela! Conhece um podcast? Sugira uma entrevista conosco para levarmos e discutirmos esse tema. O poder da internet pode ser extremamente benéfico se bem usado. A teia invisível do trabalho inseguro pode se transformar na teia da mudança e da colaboração.
Faça parte dessa mudança agora!
Esse artigo é um convite a reflexão. Ele é uma versão comentada de uma apresentação que criamos para uma campanha chamada #TôSeguroNaFirma e que tem o objetivo de ampliar a visão sobre trabalho inseguro e suas consequências em toda a sociedade. Você pode baixar as apresentação em PDF nesse link aqui.
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